Dia 60 a Dia 63 - Calcuta - India

Fiz uma pequena escala em Bangkok para apanhar o aviao para Calcuta e tratar de lavar roupa, comprar coisas que me fazem falta e coisas do estilo. Caminhando pelas ruas da capital tailandesa, rasguei uma fita dos meus chinelos que comprei no Brasil que me acompanham em todas as viagens desde 2008. Invadiu-me um aperto no peito e foi uma facada no coracao, nunca pensei que pudesse sentir tamanha tristeza por um par de chinelos, mas a parte pior foi ter de os meter num caixote do lixo... Comprei uns Billabong da candonga em Khao San Road mas nunca mais sera a mesma coisa nos meus pes, neste momento sinto falta das minhas havaianas... Descobri tambem uma nova guest house em Bangkok que para alem de espectacularmente limpa e barata (Shanti Lounge), guarda malas e coisas que os viajantes queiram deixar ate a volta. Deixei uma mochila cheia de coisas de praia, livros e as botas de trekking que nao acho que me vao fazer falta aqui, para alem da guitarra que de certeza nao iria dar muito uso aqui na India pela falta de espacos sociais adequados, aliviando cerca de 6 ou 7 kg a minha mochila.

A viagem de aviao desde Bangkok ate Calcuta demora cerca de 3 horas. Aproveitei a viagem para ler a Lonely planet da India e comecar a preparar os proximos dias. Toda a gente me disse que em relacao a India o sentimento e de amor ou de odio. A minha primeira impressao foi realmente inspiradora e acho que me vou incluir na primeira categoria. Sobrevoando a cidade fiquei com a imagem de um contraste tropical com algo exotico que nao sei explicar. Mas quando pisei terra e comecei a precorrer a cidade, ai senti o aroma visual que trasmitem as ruas das cidades (e cheiro tambem). As pessoas sao lindas e diferentes, a confusao e tanta e as cores tao intensas que e impossivel nao sentir uma felicidade reveladora, de intensidade mistica que arrepia qualquer valente. Pensava que depois de ver alguns paises da Asia, nao ia sentir o choque cultural, mas isto e mais que Asia, isto e a India, um outro mundo...

Foot Rickshaw

Fiz amizade com um ingles de 57 anos (Marcus) no aviao e dividi taxi com ele ate a estacao de metro mais proxima e depois viajamos juntos ate a zona de Sudder St., que e onde normalmente se encontra mais movimento de backpackers. Considero essencial procurar hotel nestes bairros de mochileiros, pois quando se chega a um pais desconhecido, para alem de conseguir os melhores conselhos practicos que se podem adquirir de bocas que ja viveram as experiencias que estou a ponto de comecar, tambem te podem aconselhar hoteis, restaurantes e coisas que nao vem nos guias. No caminho nao resisti a comer uma samusa, que pelo tipico e atipico, sao bem diferentes das que comemos na europa.

Primeiro contacto

Juntador de cartao

Vi 3 hoteis antes de decidir pelo que mais me inspirava, basicamente pela limpeza e aspecto do quarto, custando apenas 295 Rupies (4,5 eur) por noite. Instalei a trouxa, tomei um banho e sai a rua para explorar a cidade. Passei a tarde deambulando pelas ruas adjacentes ao bairro onde se situa o meu hotel e visitei o Gran Mart (Grand Market). Muitas das vielas nao sao mais interessantes que os souks de Marrocos ou Instambul, com vendedores de tudo o que se pode imaginar. Os precos pelo contrario sao realmente baratos, acho que os mais baratos que vi ate agora em todas as viagens que fiz.

Vendedor de especiarias

O que mais me impressionou foi a zona de carnes. Ironia do destino (ou de gente que nao pensa nas consequencias) o mercado da carne esta mesmo ao lado dos urinois publicos. Escusado sera dizer que com os 45 graus que batem sobre a cidade de Calcuta, e a mistura de cheiros entre urina e restos mortais de animais em putrefaccao, o cheiro que senti foi completamente nojento, chegando ao ponto de ter que aguentar a respiracao e concentrar-me para nao vomitar. Aqui nao existem aviarios nem transporte massivo de animais (pelo menos que eu tenha visto ou percebido as galinhas andam de um lado para o outro da cidade, vivas e atadas pelos pes as dezenas em cima de uma bicicleta,bem ao estilo sadico). No proprio mercado vivem centenas de galinhas presas dentro de umas cestas de vime e as cabras ou ovelhas em minusculos currais. Suponho que as vao matando consoante haja necessidade. Outra coisa fabulosa e a quantidade de corvos que andam a rondar por toda a cidade. Nos talhos, quando o vendedor se distrai a conversa com o vizinho, uma vez por outra um corvo malandro, ataca um naco de cMais uma razao de porque que e que a comida na India tem fama de dar dores de barriga...

Corvo

Zona das carnes

Transportando umas galinhas

Caminhei por 4 horas, mas nao consegui encontrar nenhum supermercado. Apesar de vivermos na epoca do capitalismo massivo, a India ainda consegue manter um nivel de integridade social que conserva o velho negocio de toda a vida no papel de pequenos comerciantes. Nao ha nada que nao se consiga encontrar nas ruas da cidade, e nao ha nada que possa fazer falta que queiras encontrar e nao consigas.

Ruas de Calcuta

Os indianos sao tambem uns chatos do pior que ja vi, claramente pior que em Marrocos. Assim que entrei no mercado tive um gajo a seguir-me durante dez minutos sempre a perguntar-me "What do you need my friend? My name is Salim. What you're looking for? bla bla bla...". Tentei ter boas maneiras no inicio, mas depois de nao conseguir ver-me livre do emplastro tive que fingir que era surdo e mudo (ou que ele era invisivel) ate que o homem percebeu a mensagem e se foi embora.

Taxi driver. Os gajos mais chatos que vi na minha vida

Jantei com o meu amigo ingles que conheci no aviao. Este homem e uma figura. Aos seus 57 anos, decidiu pedir a reforma (e tudo o que isso implica, pois tambem recebe pouco dinheiro por mes) e fez-se a aventura pela Asia por mais de um ano. Engracado e que apesar de ser muito mais velho que eu, a sua mentalidade e de alguem que ainda tem alguma coisa que contar a vida, a sua energia e a de um jovem de25 anos e a sua experiencia de vida a de um sabio.

No dia seguinte fomos a"Eastern Railway Tourist Bureu" para comprar bilhetes de comboio para o proximo destino. Na india o sistema ferroviario e um caos quando se trata de comprar bilhetes, por isso convem tratar disso dois ou tres dias antes de querer partir. Apesar de estra ali assim que o edificio abriu as portas a quantidade de pessoas era tanta que a previsao de atendimento para nos era so por volta das 12h00. Tiramos uma senha e deambulamos pelo bairro de BBD Bagh. Como sempre ha sempre um indiano malandro (ou nao) em cada esquina pronto a ajudar os estrangeiros. Estava a conversar com o ingles, quando aparece um gajo detras de mim a dizer para eu ter cuidado com a mochila, pois as vezes vem gajos com giletes e cortam o tecido da mochila e roubam o que esta la dentro. Obviamente foi um pretexto para se juntar a nos e guiar-nos pela cidade. Durante mais de meia hora vimo-nos gregos para que o homem se fosse embora e subtilmente la consegui explicar-lhe que queria estar sozinho e que nao lhe ia dar dinheiro nenhum pela sua companhia. Ficou lixado comigo, mas foi a sua vida. Aproveitando algumas dicas que esse bom homem nos deu, dirigimo-nos para norte e visitamos o fabuloso, estranho e colorido Mullik Ghat Flower Market que ironia do destino so se realiza aos domingos e nesse dia era domingo. Simplesmente fabuloso. Cores, vida e intensidade da India nas ruas de Mellik Ghat e no seu mercado de flores.

Mullik Ghat Flower Market

Calcuta e uma cidade suja e feia a nivel de edificios e espacos publicos. A verdadeira beleza da cidade esta nas pessoas, e na forma como vivem, contrastando com a crueldade de algumas vidas que se veem por aqui. No caminho para o Mullik Ghat Flower market, passamos pelo meio de uma favela, em que as pessoas viviam em barracas feitas de paus e tela de plastico, onde a pobreza claramente governava em cada olhar. Os tres dias que passei nesta cidade foram uma mistura de turismo pe de chinelo, com reflexao social e algumas boas accoes para com gente que se me cruzava no caminho.

De seguida dirigi-me para sul, atravessando o Parque Maiden que com os seus 3 km de comprimento e hoje em dia tao fundamentsal para Calcuta como o central parque e para New York.

Criancas em Maiden Park

Em cada sitio onde parava, vinham pessoas falar comigo e algumas a pedir esmola, nomeadamente criancas. Eu sou completamente contra a accao dar dinheiro, principalmente a criancas, basicamente porque se uma crianca cresce a receber esmolas, quando for adulta nao sabera fazer nada mais que pedir esmolas. No entanto nao posso resistir a ajudar estas pessoas, por isso ofereco-me sempre para lhes comprar alguma coisa de comida. Nestes dias que estive em Calcuta, gastei uma parte do meu orcamento diario para dar de comer a algumas pessoas, ou simplesmente pagar-lhes o supermercado (arroz, batatas, lentilhas, etc). Mas o maior sentimento de gratitude que tive foram tres criancas que nao tinham mais que 6 ou 7 anos e que vieram durante mais de 500 metros a agarrar-me os calcoes a pedir dinheiro. Comprei-lhes a cada uma dessa criancas um prato de fruta e instantaneamente vi felicidade e um sorriso nas suas bocas. E impossivel ajudar toda a gente que se cruza no caminho, por isso a India tambem pode deixar alguns sentimentos melancolicos dentro de nos, pois nenhum dinheiro de nenhum turista seria suficiente para erradicar os problemas sociais que pairam, nem nenhum individuo tem dinheiro suficiente na carteira para pagar comida a toda a gente que vem ao seu encontro. Suponho que o importante e distribuir um pouco de felicidade por onde se passa e ser generoso todos os dias, esta gente aqui realmente precisa da nossa ajuda e e dever de todos nos ajudar com um pouco de bondade.

Criancas a quem "ajudei" de alguma forma
Mendigo

O Victoria Memorial, um edificio que parece resultado de uma relacao amorosa entre o Taj Mahal e o Capitol Building em Washington DC. Este edificio foi construido em homenagem a Queen Victoria, emperadora da India e rainha de inglaterra.

Victoria Memorial

Sempre a demabular pelas ruas da cidade, dirigi-me com o meu amigo ingles ate as Missionaires of Charity, a missao fundada pela magnifica senhora Agnes Gonxha, conhecida hoje em dia como Mother Teresa of Calcutta. Apesar de nao ser crente (e nao vou expor aqui o que penso sobre a igreja catolica, pois nao e o papel deste blog) posso dizer que este local foi dos sitios mais maravilhosos que visitei na minha vida, com indole religiosa e crista. Neste local Mother Teresa viveu cerca de 50 anos (e posteriormente faleceu). O magnetismo e tanto e a historia desta mulher e tao maravilhosa que automaticamente se sente a bondade que ela sempre defendeu. PErante a sua tumba, gente da geracao dos meus pais, encosta a sua testa e derrama lagrimas no chao, fazendo-me imaginar o que esta mulher significou nas suas vidas e quanta gente ajudou a resgatar da pobreza. Uma mulher digna de toda a pompa e circunstancia. Quando ouvirem a expressao "estar armado em Madre Teresa de Calcuta" certamente se lembrarao de que ninguem ficas na boca do povo sem merito ou razao que nao mereca. A Madre Teresa foi uma grande mulher e quem vem a Calcuta nao pode deixar de sentir as vibracoes e energia positiva que existe na missao. Eu nao sou muito espiritual, mas confesso que fiquei arrepiado com o magnetismo que senti.

Sepultura da Madre Teresa de Calcuta

Na manha seguinte ja sem o meu amigo ingles que partiu para o sul da India, decidi ir explorar a parte norte da cidade, no bairro de BBD Bagh/ Com um calor insopurtavel e dificil caminhar mais que uma hora sem ter que entrar num restaurante e tomar alguma coisa fresca. Descobri nas minhas conversas com outros viajantes que uma boa forma de evitar problemas de barriga e tomar um lassi. Lassi e uma especie de batido de iogurte com agua ou leite e uma grande variedade de sabores que vao desde o doce ou salgado ate mistura com frutas. A questao dos problemas de barriga aqui na india deve-se em parte a falta de higiene (por isso e necessario ter a maxima precaucao com o que e por onde se come), mas tambem porque o organismo dos ocidentais nao esta acostumado a algumas bacterias que existem nesta parte do mundo. Tomar lassi regularmente, ajuda o organismo a ajustar a convivencia com estas bacterias e alguma que outra comida mais potente nao tera obviamente o mesmo efeito.

Tomando uma banhoca

Ruas de BBD Bagh

O bairro de BBD Bagh nao tem muito para ver, por isso uma vez mais caminhei, caminhei e caminhei pelas ruas, observei as pessoas, tentei as minhas fotos maravilha e quando passei por algum sitio mais turistico tirei as minha foto turistica, mas basicamente o bonito da India e caminhar sem direccao e deambular, tal e como eu gosto...

St. John's Church